terça-feira, 3 de agosto de 2010

O outro lado da história - Eliza e Bruno

Artigo publicado no Correio Braziliense, caderno opinião, pág 13, 02.08.2010.

Margareth Arilha
Pesquisadora do Núcleo de Estudos de População (NEPO) da Unicamp e membro da comissão de cidadania e reprodução.

Eliza Samudio e o goleiro Bruno Fernandes engravidaram. Sim, porque na verdade, Eliza não realizou uma fertilização in vitro, com ajuda de um banco de esperma. O que aconteceu foram relações sexuais desprotegidas entre Eliza e Bruno. Ao menos uma, que terminou gerando uma gravidez. Talvez deseja por Eliza e inoportuna para Bruno.

Pouco depois de saber da gestação, em 13 de outubro, conforme registro policial, Eliza procurou uma delegacia da mulher, no Rio de Janeiro, para relatar que teria sido ameaçada por Bruno e forçada a ingerir Cytotec. (...)

O caso de Bruno e Eliza aponta para outros aspectos, tais como a existência e mau uso do misoprostol no Brasil, embora não tenha ficado claro se a jovem fez realmente uso do medicamento(...) O fato é que não existem chás comprovadamente abortivos e, por outro lado, o misoprostol, quando devidamente utilizado, é altamente eficaz. Essas informações são de conhecimento geral da comunidade científica, apoiadas pela OMS e reconhecidas pelo MS, que inclui o medicamento em sua lista básica.

Estamos longe , contudo, de fornecer às mulheres informações corretas sobre o uso desse medicamento como já ocorre em outros países. Há regulamentações do MS, produzidas no âmbito da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, que permitem apenas o uso obstérico e hospitalar do medicamento. Isso empurra as mulheres para uma situação de consumo em contextos de vulnerabilidade, já que a regulamentação precisa ser revisada em nosso país. Enquanto isso, tentativas de abortamento poderão ser mal realizadas e terminarão gerando ônus enorme para os cofres públicos, ou seguirem como gestações indesejadas.

Já há em nosso país evidências suficientes para mostrar que as mulheres precisam do aborto legalizado e, assim como dispoõe nossa constituição, ter acesso a todo progresso científico realizado. O acesso ao misoprostol é um deles. A legislação atual, que apenas contempla o aborto em casos de risco de vida da mãe ou quando a gravidez é resultado de estupro, já se mostrou mais do que caduca, não havendo mais sentido sua permanência no Código Penal, datado de 1940, e totalmente inútil como mecanismo de barreira para a ação ética, moral e cotidiana das mulheres que abortam com ou sem lei, pagando muitas vezes com a morte por suas decisões sexuais reprodutivas.

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